O mistério do olhar que vai além do erro


"...assim como Cristo amou a igreja e entregou-se por ela, para santificá-la, tendo-a purificada pelo lavar da água mediante a palavra, e para apresentá-la a si mesmo como igreja gloriosa, sem mancha nem ruga ou coisa semelhante, mas santa e inculpável...este é um mistério profundo; refiro-me porém, a Cristo e à Igreja."

"e Ele verá o fruto do seu penoso trabalho, e ficará satisfeito."

"Um novo mandamento lhes dou: amem-se uns aos outros. Como eu os amei, vocês devem amar-se uns aos outros."

Que ligação poderíamos fazer entre uma instrução de Paulo para a vida conjugal, uma antiga profecia de Isaías, um mandamento de por Cristo e os desapontamentos com pessoas
?

Acredito que todo cristão com um certo tempo de caminhada na fé já se decepcionou e ficou magoado com algum irmão ou com a Igreja. 
Quantas vezes também não me peguei assim?

Compreender o que uma igreja deveria ser e contrastar com o que ela realmente é pode ser um quadro arrasador para alguns. Tanta gente deixa tudo para trás, ferida, magoada e com vínculos inquebráveis totalmente fragmentados. 

No entanto, a cura que a Palavra propõe para nós vai além de uma simples decisão de perdoar. Cristo tem nos chamado para um degrau mais elevado.

Pensemos juntos.
Se analisarmos a história da Igreja, a gente vai constatar que ela nunca foi realmente o que deveria ser, salvo algumas pequenas, isoladas e sazonais exceções. Partindo das primeiras distorções, que os apóstolos Paulo, Pedro, Judas e João já sinalizavam em suas cartas, passando por épocas como por exemplo, da tenebrosa igreja medieval, e chegando até os dias de hoje, podemos contar nos dedos os movimentos cristãos que se mantiveram fiéis ao exemplo deixado na igreja primitiva.

Mas reparemos: "Ele verá o fruto do seu penoso trabalho, e (ainda assim) ficará satisfeito". 
E mais: Ele vai apresentar a Igreja a si mesmo, sem defeito, sem mancha, sem culpa ou qualquer coisa semelhante.

Porém, quem de nós, por mais estudioso que seja, consegue olhar para trás ou ainda para o presente, e enxergar uma Noiva com essas descrições? O impressionante é que Jesus Cristo, ao dar a sua vida, já enxergava.

Ele já olhava ao longo dos séculos, e sabia de cada fase, cada etapa, cada avivamento, cada "bola fora", cada fracasso, cada sucesso, cada projeto, cada ministério e cada cristão que ainda viriam pela frente. Ele já sabia da inquisição. Já sabia teologia da prosperidade. Já sabia que a igreja protestante anglo-saxônica do início do século XX seria a favor da segregação racial. Ele já sabia do rio de recursos financeiros gastos na construção de templos e da omissão com o órfão e a viúva. Ele já sabia das guerras que a igreja financiaria. Ele já sabia dos meus e dos seus pecados, mesmo aqueles que nós cometemos após conhecer a Ele.

E é aí que o amor de Cristo realmente nos constrange. Perceber que o amor dele fez com que permanecesse firme no propósito de dar a própria vida, mesmo tendo plena revelação de tudo isso, faz com que a gente se questione: de onde vem a satisfação, profetizada por Isaías? E onde está a igreja gloriosa? Por que se vê tantas manchas, rugas, coisas semelhantes? Por que tantas culpas?

Bem, a verdade é que Ele escolheu permanecer. Onde dois ou três se reúnem no nome de Cristo, Ele ainda se faz presente, e está conosco até a consumação dos séculos, num trabalho intenso de persistência, perseverança e empenho da Trindade em tornar o fruto do penoso trabalho do Filho satisfatório.

Deus enxerga através dos séculos. Deus trabalha através dos séculos. Nada pode impedir seu agir, e o que foi planejado para a Igreja, acontecerá, ainda que a gente não consiga enxergar.

Porém, um mandamento ainda repousa sobre o exemplo deixado por Cristo.

A tolerância, a insistência, o olhar que vai além do erro, o perdão incondicional, o rasgar do inscrito de dívidas foram doados a nós como graça, mas também foram dados como incumbência.
Por que então, julgamos, criticamos, nos distanciamos e fazemos acepção de pessoas? Por que olhamos com um olhar de superioridade para cristãos de outras igrejas que por vezes, pregam uma teologia incompleta ou equivocada? Por que olhamos para o não cristão e vemos nele apenas um pecador? Por que aos nossos olhos, quanto mais grave o pecado, maior o juízo, e de preferência, que seja exercido o quanto antes? Por que nos iramos com nossos familiares e agimos com base nessa ira?

Talvez o perdão da cruz, ao invés de exemplo, dádiva e mandamento, ainda seja um mistério pra nós. 

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